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segunda-feira, janeiro 30, 2006

NOITE VAZIA, AZIA (Ilhéus - BA - 1980)




















SOL

Se o sol
Durante a noite aparecer
E eu morrer?

Sem ser enterrado,
Fazem de mim um enlatado.

Vivo,
Sendo explorado,
Por fantasmas e mentiras.

Sem eu, sem você,
Sem ninguém saber,
Não quero morrer.

O sol me fez.
Fez a lua
Que é minha e
Dos átomos
Em meus espermas
Jogado no mar,
Esperando um novo sol raiar.
18/12/80


FORTES

Vômitos de fome da fome,
De ser o mar,
De ser um touro,
De ser o povo,
Não só eu,
Tu,
Ele,
Nos,
Vos,
Eles,
Mudando o lodo.
Revolucionando o pão,
Nós os fortes,
Inconscientes.
19/12/80


SOMOS


Dentro do sol o sol,
Entre ele e eu o
Universo, você e eu.
Sem espíritos. Átomos.
Loucos,
Humanos,
Ar,
No mar do mar.
ÁT
O
M
SOMOS.
19/12/80



SOM

Eu,
Perdido na multidão,
Muitos Pedros,
Na multidão.
Deus?
Eu,
Olhando e falando,
Sendo olhado,
Você e eu.
Dois homens,
Pedro e Pedro.
Deus?
Teu patrão dono do trigo,
Sem trigo,
Sem pão,
Sem mesa,
Na multidão.
19/12/80



DOR

Olhos cheios de dor,
Horror do amor,
Por traz o pavor,
Da fome,
Da morte,
Sedenta de vida,
Livre,
No canto de rua,
Sem luz, escura,
Sem sol, enluarado,
Com estrelas andando,
Só.
Olhos nos ares,
Sem falar da dor.
19/12/80


MAR

Na beira do mar,
Com ela passeei.
Mãos dadas.
Um fino,
Embaixo do sol.
Acordado por ela,
Beijos, olhares,
Na beira do mar.
Bela, beleza eu e ela.
Mar, amar,
Embaixo do luar,
Queria, queria ela,
Bela,
Beleza eu e ela.
19/12/80


DUREZA

Duro,
Dureza,
Roubalheira.
Rico,
Beleza.
Ladrão,
Deixa-nos sem pão.
Duro,
Dureza.
Beleza,
Só o mar.
19/12/80


MORTO

Na vida de brasileiro,
Casado ou solteiro,
De estado em estado,
Terra pra plantar,
Terra pra semear.

Sem comer,
Sem terra,
Sem casa.

Um brasileiro,
Explorando muitos brasileiros.

Presos,
Grades,
Tiros.

Morto na rua.

Denunciou.
19/12/80



BEBENDO

Leira
Fogueira
Gengibre.
Nem libra,
Nem cruzeiro.
Nem tostão.
Sem pão,
Irmão com irmão,
Embaixo de sol.
Vamos,
Estamos
Sendo explorados
Tomando chuva
Bebendo gengibre.
21/12/80



DOIS

Ver o mar
Namorando.
Praia,
Lua,
Sol,
Estrela.
Eu na praia,
Olhando a lua.
Queimando ao sol.
Eu uma estrela,
Sem eira, indo,
De praia em praia,
Falando amar.
Eu e o mar.
21/12/80



TEUS OLHOS

À Ana Carla

Na tua pessoa,
Uma mulher,
Bela.
Dentro de mim,
Uma lua,
Um sol,
Uma estrela.
Com olhares belos,
Brilhantes que ofuscam
Os meus, raios,
Teus olhos
Da cor da lua.
22/12/80


VONTADE

Fuxicos pelas portas,
Todos de pernas tortas,
De cabeças vazias,
Estômagos com azia.
Fome,
Dor,
Gastrite.
Causa: Coca-Cola & Cia.
Nas bocas vazias,
Entrando em olhos fechados,
Pessoas dormindo.
Cansaço,
Mormaço,
Que me queima
De vontade de ter ela.
22/12/80



SALVARÀ

13 pontos,
não fiz,
não sei,
não dei.
13 gritos,
não tem,
não vem,
não sai.
13 dias,
falta p/ o mundo acabar.
13 gritos o salvará.
22/12/80



CRUZ

A lua nasceu.
Pessoas na terra,
Sorriram, choraram,
Gritaram, amaram.
Eu andei do seu lado.
Me crucificaram.
22/12/80


NATAL

Onde nasci?
Onde vivi?
Aqui?
Ali?
Brasil, meu Brasil!!
Explorado por outros,
Por outrem.
A verdade, o fim, transformar.
Nascer por viver,
Em ruas arborizadas, calçadas,
Pessoas andando no sol.
Eu,
Por um nascimento igual.
23/12/80

terça-feira, janeiro 24, 2006

NADA SEI

















Quem pensa que tudo é
poderá terminar como uma nuvem,
sem identidade,
sem forma,
sem alma.

Quem sente-se melhor que os outros,
certamente tem medo do sol,
e da lua então nem se fala,
deve fugir na escuridão,
se escondendo com medo do sereno.

Por isso a moça da sala ao lado
parece ser tão mediocre,
pensa que é encantada,
mas não passa de uma abóbora,
já passada e envelhecida
que não serve para carruagem,
apesar de ainda ser um broto.

Quem pensa que tudo sabe,
deve ter medo da busca,
fugir do novo,
pensando ser um oráculo.

Tenho uma certeza,
muito antiga:
nada sei,
posso ser semente,
posso ser raiz,
posso ser vento!

O novo me chama!

terça-feira, janeiro 17, 2006

OS IMPRESTÁVEIS
















(Parodiando Bertold Brecht)

Há aqueles
que enganam o povo
um dia.

Estes são maus.

Há aqueles
que enganam o povo
muitos dias.

Estes são muito maus.

Há aqueles
que enganam o povo
sempre.

Estes são imprestáveis.

Cuidado!

segunda-feira, janeiro 16, 2006

AINDA ESPERO

















Nada sei do canto
De meus olhos
Que nada vêem,
Apenas buscam a luz
Das estrelas nas noites enluaradas.

Enquanto sinto a dor
D’alma perdida na escuridão
Escuto os grilos
Cantarem músicas
Que fazem o céu piscar iluminado.

Todo o encanto,
Principalmente o desconhecido,
O sentido do novo,
Onde a visão
Encontra o que nada conhece.

Nem sabe onde vive,
Tampouco onde está,
Sentindo somente o canto
E o perfume do tempo
Onde a vida desabrocha
Flores férteis e coloridas.

Nada sei de meu tempo,
Menos ainda esperar
A incerteza do amanhã.

Ainda assim espero!

terça-feira, janeiro 10, 2006

ODE A IARA
















Cheguei ontem do Pará.

Lá tomei suco de muruci
e dancei carimbó,
comi carangueijo
e muita caldeirada.

Nadei no Rio Guamá,
vi o sol de pôr em Icoaraci,
tomando água de coco
na praia do Cruzeiro.

Sonhei no Mormaço
encontrar uma sereia,
que mergulhou depois de me encantar,
na fresta de luz da lua nas águas escuras da baia guajará.
Ela me encantou e se foi.

Em Soure enfrentei a areia
na praia do Pesqueiro,
ao som do vento e do mestre Lucindo
sob a claridade da lua,
ainda apenas um risco no céu.

Em Salvaterra mergulhei
acompanhando o Mergulhão.
Não fui tão fundo
era muito arriscado,
mas tentei.

Em Joanes o vento me balançou
na Pousada Ventania,
onde encontrei a confiança
e a esperança,
mesmo ouvindo o chôro das folhas do coqueiro
encobrindo a menina bela e enamorada
pelo boto que também não apareceu na noite estrelada.

Cheguei ontem ao centro do Brasil,
meu coração sente saudade
das calderadas feitas com amor,
das caminhadas embaladas pelas águas,
dos rios caudalosos que me envolveram.

Cheguei ontem,
a lua começa a crescer,
tanto quanto o sonho
em poder caminhar
todas as manhãs
nas margens do Amazonas.

Sonho em descobrir Iara,
para que ela me leve
para o fundo do rio,
onde viveremos prazeirozamente
para a eternidade.

Meu coração está triste...