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terça-feira, julho 02, 2013

Cinco décimos



I

A porteira se abriu,
germinou outro tempo,
fez a chuva florir sorrisos.
A manhã ainda não havia chegado.
Tudo começou com um choro.
Deslocamentos e sonhos vieram,
determinaram os passos,
a busca trouxe a mata densa,
com seus cheiros e cores,
flores brancas, amarelas, multicores,
o leite das árvores como alimento,
o urro das onças como espanto,
o canto dos pássaros como inspiração,
goiabeiras, cajueiros e sombras
para saborear a vida e as descobertas.

II

O chão batido da casa,
coberta de madeira,
assegurava o calor e segurança,
que todos deveriam ter.
O calor do fogão a lenha
aquecia os corpos,
alimentado pelas caças, aves
e tudo colhido da terra,
que desvirginada,
perfumava os desejos
de uma criança na floresta.

III

Nas noites estreladas,
pirilampos dançavam,
saltitantes apontavam estrelas cadentes,
cometas desconhecidos,
os planetas distantes,
entre as luzes
da lamparina piscando.

IV

Ver a cidade se formando,
primeiras classes,
Pra frente Brasil,
a seleção canarinho foi campeã.
Soldados amontoados em caminhões,
verdes confundem-se com as árvores
e circulam para matar.
Levam armas assassinas oficiais.
O Araguaia pegava fogo,
jovens erguiam sonhos,
resistindo a dor e a morte,
institucionalizadas.
Na pequena vila,
a beira da estrada,
vejo tudo acontecer.

V

Belém apresenta suas luzes e cores,
novas descobertas descortinadas,
sons, avenidas e mangueiras,
servindo seus frutos com a ventania.
Ver - o - peso, a baia, praias e livros.
O homem de gravata de bolinhas,
primeiro filme no Olímpia.
Jogo de bola nas várzeas da Cidade Velha,
paqueras em Batista Campos,
os bailes de carnaval no Forte do Castelo,
os banhos nos igarapés de Benfica.
O mormaço da Presidente Vargas
alimenta noites e caminhos.

VI

Ocupar as ruas,
muros transformam-se em tribunas,
lousas revolucionárias coletivas.
A tremedeira do primeiro discurso.
Anistia ampla, geral e irrestrita,
queremos nossos combatentes livres,
abaixo a ditadura,
meia passagem aos estudantes.
Minhas primeiras passeatas,
a prisão no quartel,
a cavalaria avança e atacamos
com poemas e palavras de ordem
estudar, organizar e resistir.
A aurora despontava nas alamedas
da história construída com coragem e luta.

VII

O sangue prosseguiu a encharcar a terra,
Com um tiro encomendado,
Acertou Gabriel Pimenta,
Outras mortes, muitas mortes se avultam.
Uma nova república nasce envelhecida e carcomida,
Mentindo em nome do povo,
Que luta e combate pelo novo homem e pelo novo mundo.
Nada importa para os matadores,
A carnificina segue seu séquito cínico,
Protegida pelo Estado.

VIII

Como um rio em período chuvoso
Matam meus heróis por defenderem o povo,
Formam-se corredeiras em meio a frágil democracia,
Inundando as alamedas de dores e resistência.
Vem uma estação na ilha de Camilo,
Aprender com o povo e Fidel combatendo,
Forjando outro amanhã
No coração da manhã ensolarada do Caribe.
A Frente Brasil Popular é golpeada,
Logo o marajá é caçado do poder,
A Globo segue manipulando
Mentes e manhãs
Sem nenhum escrúpulo.

IX

Nada apaga as dores,
Seguir a ventania,
Semeando furacões,
Explodindo corações,
Erguendo corpos,
Rompendo trovões,
Grilhões e letargias.
Agora há duas flores
Para adubar e cuidar.
Um tempo maduro,
Terra sem porteiras,
Hortas coletivas,
Casas suspensas
Esvoaçando sonhos.

X

Passa o tempo,
Sem pressa,
Manhãs preguiçosas,
Rompendo a escuridão,
Seguindo caminhos desbravados
Encharcados de nomes e combates.
Nem parece muito,
Tudo foi um piscar de olhos.
Vem mais ainda,
Outro meio século.
Vem fazer o fogo,
Fagulhas da vida propagar.
Jorrar cantigas
Com o povo nas ruas,
Romper cercas,
Aniquilar o sistema podre,
Brindando ao novo que chega.

Pedro César Batista - 29 de junho de 2013