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terça-feira, agosto 04, 2020

Pandemia e traição



Pedro César Batista

A pandemia tem nos permitido ver o valor da existência humana em todas as suas contradições. Seja ao identificar ações e pessoas essencialmente amorosas, como a maldade que transparece em quem tudo faz para escondê-la.

Ocorre que a quarentena e o distanciamento social que nos salva da contaminação e morte, nos leva a ser mais introspectivo, usando o tempo em que estamos só para leituras, escritas e atividades lúdicas e repensar a nossa trajetória, o que traz mais dúvidas que certezas.

Em poucos anos farei seis décadas de vida, nesse tempo vivi em muitos lugares. Sou um permanente migrante dentro do meu país. Desde cedo convivo com as contradições mais duras e profundas inerentes a sociedade e ao homo sapiens, o que não é meu privilégio.

Criança, depois de sair do interior paulista, vivi até os dez anos na floresta, em Paragominas. Uma década de tristezas e alegrias. Consternação pelas lembranças das dificuldades enfrentadas por meu pai, mas especialmente por minha mãe, que sempre cuidou de mim. Meu pai, o provedor, vivia no mundo para garantir a sustentação da família. Tempo em que os ricos fazendeiros matavam impunemente e enterravam em cemitérios privados; a polícia prendia e torturava livremente quem bem entendesse, a insegurança e o medo eram constantes; era proibido falar o que se pensava. Entretanto, viver nos igarapés, subir em árvores, correr atrás de bichos, ser parte da natureza deixou marcas e alegrias imprescindíveis para a vida.

Adolescente, na capital paraense, aprendi que a história é resultado da ação dos mais organizados, capazes de impor suas ideias, cultura, forma de vida e definir como a sociedade deve ou poderá ser. Descobri o valor da força da luta do povo. Um tempo que se inicia a entrega, o compromisso e a confiança na construção de uma nova sociedade. Vieram outras fases, o mundo passou a ser minha casa, a democracia reconquistada manteve os assassinos da ditadura impunes; alguns, que se diziam camaradas, passaram para o lado do opressor, principalmente em suas práticas, apesar de preservarem discursos humanitários. Ter a dor da perda de quem se ama, muitas dores e descobertas.

Traições, maledicências e maldades surgem de forma avassaladora nas relações pessoais. Enfrentar a desumanidade de quem se diz na mesma trincheira, a ação para destruir o trabalho de organização popular deixa marcas de dor na memória. A calúnia, a mentira o sadismo. As mais vis crueldades, capazes de causar inveja ao demônio, a Judas e seus adeptos.

A pandemia somente reforça estas contradições. Os poderosos usam a morte para aumentar suas riquezas, querem dizimar quem pode lhes derrotar, caso adquira consciência de classe, se organize e unidos os enfrentem. Os mais ricos ficam mais ricos. Os maldosos propagam o veneno que carregam. Não precisa ser da classe dominante, o discurso e sua origem social não altera sua prática, como autênticos traidores do combate por um novo mundo, de relações justas, fraternas e igualitárias.