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domingo, novembro 27, 2016

Proibido atravessar!


O dia ainda estava distante. A madrugada fria era iluminada pela lua, apenas uma linha curva no horizonte estrelado. Luzinete reunia-se com suas colegas de trabalho. Haviam ficado toda a noite despertas, não para atender os clientes, que escasseavam cada vez mais. Risomar, uma das mulheres do grupo, estava apreensiva com o que viria pela manhã.
Todas trabalhavam na mesma casa, mesmo cada uma tendo vindo de um lugar. A maioria era dos Estados do Sul. Jovens saíram de suas casas. Quase todas falaram o mesmo para seus familiares, que iriam trabalhar na usina que estava em construção. Trabalhariam em serviços gerais. O que não deixava de ser verdade. Atendiam todos que lá trabalhavam. Servindo sempre no que fossem pedidas por seus clientes.
Há uns três meses começavam enfrentar necessidades. Raramente aparecia alguém em busca de seus dotes. Começava faltar dinheiro para as despesas. Nem a alimentação era mais farta como no tempo que chegaram na cidade. Era preciso tomar uma atitude.
Luzinete comandava as mulheres. Caminhava a frente do grupo, de mais de trinta mulheres, deixando evidente sua altivez. Ricardinho, era o único homem no grupo, era cliente de Rosinha. Fechariam a rodovia barrando o trânsito. Ali era o único caminho por onde passavam dezenas de caminhões, levavam cimento para a obra que funcionava dia e noite. Decidiram fechar a rodovia e tentar para o serviço no canteiro. Foi a forma encontrada para tentar mudar a situação.
O dia amanheceu e as mulheres, corajosamente, formaram um cinturão humano para impedir que os caminhões, que formavam uma longa fila, aguardando o início dos serviços de balsa, pudessem atravessar o rio e seguissem para o canteiro de obras da hidrelétrica. Os caminhões betoneiras precisavam chegar logo. A construção, como uma jiboia insaciável, tinha fome. Não parava nenhum momento de receber a massa que levantava aquela enorme barreira de concreto no meio da floresta. E ali estavam as mulheres bloqueando a entrada dos caminhões carregados de cimento para não entrarem na balsa.
Os caminhoneiros nada podiam fazer. Aliás, adorariam atender à reivindicação das mulheres operárias, elas exigiam clientes para vender prazer. Chegaram na Cidade no início da construção, e agora sentiam-se abandonadas, sem trabalho. A cidade possuía 27 pontos de atendimento, com mulheres que trabalhavam na venda do corpo. Ainda assim, o município vizinho tinha mais e melhores serviços e os homens não mais frequentavam a cidade de Luzinete. Elas resistiam, vendo seus ex-clientes passarem diante delas e não parar. Agora estavam ali, naquela manhã, antes do sol acordar, impedindo que a balsa recebesse os caminhões.
Foi quando chegou o prefeito e fez um apelo para que desbloqueassem a entrada da balsa e deixassem os caminhões seguir viagem. Elas seguiam irredutíveis. Sairiam dali apenas se fosse assinado um compromisso para os homens voltarem a comprar seus serviços. Os caminhoneiros se divertiam, apesar de terem de cumprir horário para a entrega da carga.
Veio o delegado de Polícia, estava acompanhado de três policiais. Tentou convencer as mulheres, que seguiram firmes abraçadas formando uma barreira humana, aparentemente frágil, apesar de demonstrar ser intransponível. Logo apareceu o gerente da construtora. Chegou em um helicóptero na beira do Rio, que, ao pousar, formou uma imensa nuvem vermelha de poeira. Ele insistiu para que o acesso a balsa fosse liberado. Nada. Elas seguiam firmes. O número de pessoas no local havia crescido. Outros comerciantes de juntaram as garotas. Todos queriam clientes.
Foi quando um caminhoneiro chegou junto a Luzinete e fez a proposta de que elas fizessem uma tabela de preços que permitisse todos terem condições de comprar os serviços prestados. Ela e as colgas aceitaram a proposta. Colocaram uma condição apenas, a de que o documento fosse assinado pelo prefeito, delegado de polícia, o gerente da empreiteira e fosse chamado o padre para benzer o acordo. Exigiram que o documento deveria constar que a empresa incluiria no pagamento dos operários a garantia do serviço que elas prestariam aos seus empregados, mas isso não daria, muitos eram casados e suas esposas não sabiam que seus maridos frequentavam os bordéis da região. Por fim, chegou-se, a um acordo com uma tabela de preços, com a previsão das condições de pagamento, que deveriam ser feitos diretamente pela empresa.
Tudo parecia estar sendo resolvido, quando as mulheres apresentaram mais uma exigência para a liberação do acesso a balsa. Havia passado mais de três horas, desde o começo do bloqueio. Como uma cobra preguiçosa, os caminhões, uns atrás do outros, seguiam parados, em uma procissão que crescia a cada instante. Havia acabado de chegar a informação de que o cimento estava acabando e a liberação precisava ser urgente. O serviço não poderia parar. Foi quando Risomar impôs uma condição, aceita por suas companheiras, para que se liberasse a passagem. Pediram a realização de uma missa campal e que o acordo fosse assinado, publicamente, por todos. Imediatamente procuraram o padre, que disse que não faria este sacrilégio, entretanto, terminou por ceder. Reunidos na margem do rio, a missa aconteceu e o documento foi assinado, liberando a passagem dos caminhões.

domingo, setembro 25, 2016

Amanhecer



Para Wanessa Dias.


Romper o medo da noite,
Quebrar os vidros do tempo.
Amanhecer,
Navegar com exatidão.

Não esquecer o sol.
Navegar com o vento.
Onde tudo muda.

Até amigos somem.
Ficaram no caminho?
Saberão ainda cantar ciranda?
Onde estarão os parentes?
Aquele abraço forte?
Camaradas,
Esconderam-se na lua minguante.

Deslizarei ao infinito,
No azul acolhedor,
Disposto a seguir amanhã.

Fazer das noites alimento
Capaz de satisfazer o fogo.
Brasa crescente,

Levantando voo,
Observado por Netuno e Nyx
Que não assustam.


Pedro César Batista

segunda-feira, junho 20, 2016

Aurora

Apesar das mentiras,
Existem flores que não são de plásticos.
O chão,
Vermelho, 
Pede água,
Salgado com o sangue Guarani kaiowá
E dos meninos assassinados pela polícia.
Apesar da tristeza
A lua crescente desponta no horizonte.
O dia não veio do acaso,
Enfrentou a escuridão e a noite,
Fria.
Ainda há sorrisos irradiando a indignação,
Erguendo punhos e fortalecendo abraços,
Longos e calorosos.
O novo virá,
Cheio de flores e alegria.
Não duvide !!!!

quinta-feira, abril 14, 2016

POETAS CONTRA O GOLPE !

Somos poetas, cidadãos e cidadãs, e nos unem o exercício da poesia e a defesa da democracia. Poetas Contra o Golpe tomam a palavra em defesa da democracia tão ameaçada neste país pelos mesmos senhores históricos de todo o sempre: os verdadeiros inimigos do povo e das recentes conquistas obtidas em seu favor. Por isso, viemos a público manifestar nossa posição contrária à tentativa do golpe político-institucional em curso, o qual, no nosso entendimento, visa à retomada de poder pelos grupos partidários e empresariais derrotados nas últimas eleições presidenciais. 

O golpista é um fingidor de fato como pessoa, jamais um poeta! Não mede esforços nem consequências para e pelo poder. Alimenta-se das desigualdades, das diferenças, da indiferença e do ódio na permanente construção do abismo social por origem, classe, cor, credo, gênero, dividindo a sociedade por desrespeito e desprezo à maioria da população que de fato constrói a nação.

Afirmamos nosso mais contundente repúdio aos atos de corrupção praticados por esses grupos, pois entendemos que a corrupção desmerece a democracia e agride a cidadania. Defendemos as investigações e as justas punições dela decorrentes. Porém, não aceitamos que apenas um grupo político seja o alvo, porque sabemos que a grande maioria dos partidos políticos brasileiros, inclusive os que articulam o golpe, é historicamente praticante de atos de corrupção e não tem sido alvo de investigações. 

Nós poetas em defesa da democracia, da constituição, da liberdade, do estado democrático de direito, tão aviltado no momento, buscamos e lutaremos sempre por um Estado laico, justo, igualitário e libertário alimentando o desejo e o sonho pela unidade da diversidade no país e pelo respeito entre todos e todas. 

Somos chamados e chamadas a marcar posição em defesa da democracia, neste momento histórico difícil e delicado em que a sociedade brasileira se percebe crivada pelo clima de ódio que ameaça sobretudo os defensores do estado democrático de direito. Trazemos em resposta a esse momento crítico a nossa fala poética. 

Brasília, abril de 2016. 

Adeilton Lima - DF
Ademir Demarchi - SP
Alberto Pucheu - RJ 
Alexandre Durratos - RJ
Alexandre Guarnieri - RJ
Alexandre Pilati - DF
Altivo Neto - DF 
Ana Maria Lopes - DF 
Ana Rüshe - SP
Ana Suely - DF
Andre Giusti - DF
André Rocha - DF
Angélica Torres Lima - DF
Aníbal Perea - DF
Antônio Juraci Siqueira - PA 
Antônio Miranda - DF 
Aroldo Pereira – MG
Beth Jardim - DF 
Brenda Marques Pena - MG
Bruno Caetano - DF 
Caetano Bernardes - DF 
Carla Andrade - DF 
Carlos Augusto Cacá - DF 
Carlos Machado - SP
Carmem Silva Presotto - RS 
Carolina Vieira - DF 
Ceiça Targino – DF
Chico Alvim - DF
Chico Nogueira - DF 
Cláudio Cardoso - PA 
Cláudio poeta Dinho - DF 
Corinto Meffe - DF 
Dan Juan Nissan Cohen - RJ
Daniel Barros - DF 
Daniel Pedro - DF
Dedé - DF 
Devana Babu - DF 
Eliana Castela - AC
Elicio Pontes - DF 
Ézio Pires - DF 
Fernando Freire - DF 
Fred Maia - DF 
Germano Arte Seletiva - DF 
Guido Heleno - DF 
Gustavo Dourado - DF 
Ironita Mota Pereira - DF
Ismar Lemes - DF 
Iverson Carneiro – RJ
Jairo Fará - MG
Joana Chagas da Silva - PA 
João Bosco Maia - PA 
João Victor Pacífico - DF
Joãozinho da Vila - DF 
Joaquim Mariano - SP
Joelson Meira - BA
Jorge Amancio - DF
Jorge Antunes - DF
José Leal - Alemanha 
José Sóter - DF 
Jovino Machado-MG
Júlio Alves - RS
Lacerda Alencar - DF 
Leila Jalul Bretz - AC
Leonam Cunha - RN
Lilia Diniz - MA
Lisa Alves - DF 
Lucia Araújo - DF
Luiz Felipe Vitelli - DF
Luiz Turiba - DF 
Lurdiana Araújo - DF 
Manoel Herzog - SP 
Marcão Aborígene - DF 
Marcelo Morão-RJ
Marcos Freitas - DF 
Maria Alice Bragança - RS 
Maria Glória - DF
Maria Maia - DF
Maria Vieira dos Santos - RJ
Marina Andrade - DF 
Marina Mara - DF 
Marli Silva Fróes -MG 
Nanda Fer Pimenta - DF 
Neli Germano - RS
Noélia Ribeiro - DF 
Olivia Maria Maia - DF 
Patrícia Giseli - MG
Paulo Dagomé - DF 
Paulo Ferraz - SP
Paulo Nunes - PA
Pedro César Batista. - DF 
Pedro Tostes - SP 
Raul Ernesto Lorrosa Bellesta - DF 
Rego Júnior - DF 
Renato Fino - DF 
Ricardo Mainiere - RS
Ricardo Silvestrin - RS
Rita de Cássia da Silva - PA 
Rita Melem - PA 
Rita Prado - PA 
Roberto Amaral - MG 
Ronaldo Costa Fernandes - DF 
Ronaldo Mousinho - DF
Ronaldo Rhusso - RJ 
Rubens Jardim - SP
Sérgio Duboc - DF 
Solange Padilha - RJ
Sônia Situba - PA
Tereza Vignoli - SP
Theo Alves - RN
Tita Lima Lima - DF 
Tom Pureza - DF 
Vanderlei Costa - DF 
Vicente Sa - DF 
Vinicius Borba - DF 
Wanessa Dias - DF 
Wélcio de Toledo - DF 
Yonaré Flávio - DF

quarta-feira, março 09, 2016

Fatos

Bradam pedindo prisão,
Defendem a pena de morte,
Incentivam a justiça pelas próprias mãos.
Acusam
como fossem primários em corrupção,
com discursos ecoados em rede nacional.
Velha prática herdada de seus antepassados,
Negar a verdade
Garantir propriedades,
Caluniar.
Os índios eram preguiçosos,
Os negros indolentes,
As mulheres fracas.
Seguem formando seguidores,
Incapazes de olhar para trás
Indispostos a se mirarem como classe.
Multidões que não receberam heranças,
Não possuem sobrenome de senhores coloniais,
Nem de quatrocentões.
Criam soldados
De velhas oligarquias.
Outros, serviçais conscientes, rosnam
não querem falar de política,
Tentam falsear seus vínculos.
Seguem latindo,
como cães treinados,
Aptos a atacarem
quem ousar enfrentar
Seus líderes.
Escancaram cinismo,
Exalam podridão histórica
Sem gaguejar continuam acusando,
aumentando suas riquezas,
encharcadas em sangue.


Pedro César Batista

quinta-feira, janeiro 21, 2016

Autorretrato social



sou sem rosto
morador sem teto
colocado na marginalidade
homossexual discriminado
mulher violentada
criança faminta

sou sem cores
jovem desempregado
sou assassinado
pela polícia covarde

sou da África,
fui sequestrado
fizeram-me escravo

sou operário
sou lavadeira da beira do rio
sou boia fria

sou as mãos
sou os pés
sou o trabalho

sou do campo
sem-terra
planto comida
que falta em meu prato

sou diarista
lavo banheiros
limpo chão
cozinho e sirvo

respiro fogo
minha pele não tem cor
cheira mal
durmo sob marquise

sou discurso
sou promessa
sou número

sou sem rosto
sou condenado
sou descartável
sou sem cores


quarta-feira, janeiro 06, 2016

Quem sou.




Sou negro, um jovem negro. Mais um.
Sou índio, uma criança indígena. Mais uma.
Sou palestino, uma criança palestina. Resistindo.
Sou mulher, uma jovem mulher. Combatente.
Sou trabalhador, desempregado. Organizado.
Sou da periferia, do mato, da aldeia. Sou da colmeia.
Sou quilombo, conquisto o amanhã. O novo.
Vivo em cabanas, ergo o sol. Faço vida.
Semeio e colho alimentos,
Pesco em todos os mares,
Alimento o mundo.
Minha voz não sai na mídia,
Minha voz é sufocada, resiste,
Embala o fogo da vida. Grita, sem medo.
Enfrento as balas da polícia,
As mentiras dos poderosos,
Preconceitos dos moralistas religiosos.
Sou o povo,
Cantando sem medo de sicários,
Capaz de fazer esperança na dor. Florir sorrisos.
Sou o olhar que não se esconde,
O abraço que não se afrouxa,
O passo que não vacila. Marcha, firme.
Venho dos morros,
Das favelas e dos acampamentos. Levanto utopias.
Venho do amanhã,
Quando o ontem nada mais será que um quadro,
Um triste e velho quadro pendurado na parede,
Encardida pelas lágrimas de tanto sorrir
E bailar para a lua. Vermelha e cheia.
Sou o povo que não se curva,
Sou a vida que não morre,
Disposto a derramar o sangue,
Fazer flores onde a terra ainda está árida.
Sou o fogo que não se apaga. Sou labareda.