Por Jose Marcio
20 de março de 2009
http://cidadecidada.org.br/content/view/107/1/
Jornalista, escritor, gestor e militante social. Este é Pedro César Batista. Em entrevista ao Instituto Cidade Cidadã, Batista trata de diversos assuntos extremamente atuais, como a reforma agrária, participação popular, o papel da imprensa, a crise mundial.
Durante o Fórum Social Mundial, realizado em Belém, relançou o livro "João Batista, mártir da luta pela reforma agrária - impunidade do Pará", que retrata a luta da reforma agrária e de seu irmão, assassinado pelo latifúndio há duas décadas. A publicação tem a apresentação de João Pedro Stédile, líder do MST.
Experiente, Pedro atuou movimento estudantil nas décadas de 1970/1980, foi assessor parlamentar e coordenador da Assessoria Comunitária e do Orçamento Participativo (OP) em Peruíbe, na gestão do prefeito Alberto Sanches Gomes (1997-2000). Atualmente atua como assessor sindical em Brasília e jornalista, e mantém o blog www.pedrocesarbatista.blogspot.com.
ICC - Durante o Fórum Social Mundial, em Belém, você relançou o livro "João Batista, mártir da luta pela reforma agrária - impunidade do Pará", pela Expressão Popular, onde retrata a luta da reforma agrária e de seu irmão, assassinado pelo latifúndio há 20 anos. Como vê a impunidade no campo? Porque casos como de João Batista, Irmã Doroty e Margarida Alves, por exemplo, continuam a acontecer?
Pedro - Meu livro João Batista, mártir da luta pela reforma agrária mostra que os dados da violência no campo brasileiro são assustadores. Entre 1964 e 2007 foram assassinados 2.187 pessoas ligadas a luta pela reforma agrária. Do total desses crimes nem duas dezenas de casos os pistoleiros e mandantes sentaram no banco dos réus. As condenações não chegaram a uma dezena. Em contrapartida verifica-se uma feroz campanha, através da mídia, transformando os que lutam pela terra em violentos. Qual a causa disso tudo? A não realização da reforma agrária e a impunidade dos criminosos. Nos EUA, por exemplo, ao conquistarem sua independência em 1776, uma de suas primeiras ações foi a execução da reforma agrária. O Brasil até hoje, no limiar do século XXI, não realizou a sua. Muito pelo contrário, para alguns senhores da terra falar em reforma agrária é inaceitável. Temos, inclusive, alguns oligarcas latifundiários que controlam enormes poderes na República, como o Presidente do Senado, José Sarney, e a bancada ruralista, que tem como expoente o deputado goiano, Ronaldo Caiado, que após o fim da ditadura coordenou a fundação da organização dos latifundiários para combater a reforma agrária, a UDR. Caiado e sua quadrilha comandaram a violência no campo por muitos anos, e agora posam de "democratas". É preciso definir um novo limite a propriedade rural no país, executar a reforma agrária efetivamente, pois somente onde os trabalhadores lutaram isso foi possível. Felizmente os movimentos de luta pela terra continuam nas ruas, estradas, campos e lutando pela liberdade da terra, a verdadeira mãe da vida. Em relação a impunidade é preciso que a sociedade comece a denunciar a conivência do judiciário com essa violência. O Poder Judiciário tem laços profundos com o latifúndio, são dois lados da mesma moeda. A luta pelo fim da impunidade passa por denunciar a morosidade e cumplicidade da Justiça com esse massacre que vem sendo cometido contra os camponeses e seus defensores. As declarações recentes do presidente do STF, Gilmar Mendes, mostram claramente os verdadeiros compromissos de classe desse poder que vive de costas para a sociedade. Somente a mobilização social poderá efetivar a reforma agrária e colocar fim a impunidade reinante.
ICC - Os Poderes Executivos e Judiciários são omissos com a violência no campo?
Pedro - A contradição inerente na composição do Poder Executivo ao mesmo tempo em que assegura a governabilidade necessária, impede que se avance nas conquistas dos trabalhadores brasileiros. A política agrícola prioriza o agronegócio, responsável por grandes danos ambientais, o uso do trabalho escravo, a prática da corrupção ativa permanente e a manipulação de recursos públicos, com uma produção voltada para atender o mercado internacional. Já a agricultura familiar, responsável por 70% da produção de alimentos no país, convive com a biodiversidade, emprega e produz com baixo custo, não recebe o devido apoio do governo. Para os primeiros são destinados 70 bilhões de reais, enquanto para os segundos não chega a R$ 12 bi. As principais ações da política agrícola estão voltadas pra o agronegócio, enquanto a agricultura familiar recebe uma atenção em segundo plano. Isso alimenta a ação criminosa do latifúndio e a conivência do Judiciário. Comprova, assim, que a estrutura do Estado está a serviço dos grandes detentores de riquezas, seja no campo ou na cidade. A crise econômica é a prova disso. Mais uma vez o pagamento da irresponsabilidade do capital e de governantes é colocada sobre as costas dos trabalhadores.
ICC - Como analisa o processo de reforma agrária no Brasil? E o MST, como avalia suas ações e, muitas vezes, a tentativa de criminalização dos movimentos sociais?
Pedro - Somente onde ocorreram mobilizações, com acampamentos, ocupações e resistências conquistou-se a terra. Assim foi desde a implantação da República, em 1889. Passamos por várias ditaduras, com pequenos momentos democráticos, e desde o final de 1950, com as Ligas Camponesas; essa foi a única forma que se possibilitou avançar na luta. Atualmente as ações do MST, MLST, Contag, CPT e outros grupos pelo campo brasileiro comprovam que o único caminho tem sido a luta. O dia em que houver um governo que se disponha a romper com o latifúndio terá de fato uma guerra declarada. Hoje os latifundiários matam com a complacência dos agentes públicos e os assassinos ainda vão à mídia afirmar que quem é violento são os que morrem por lutar pela terra. A criminalização dos movimentos faz parte dessa estratégia da elite econômica brasileira em aprofundar seu poder e tentar isolar os movimentos sociais. Mas não conseguirão. Em 10 de março passado foi lançado, em ato no Senado Federal, a Aliança Camponesa Ambientalistas, composta por movimentos que lutam pela terra e que defendem a biodivesidade e o meio ambiente. Verificou-se que a agricultura familiar está intimamente ligada a luta em defesa do meio ambiente, enquanto o agronegócio, com todo apoio oficial, continua criminalizando os movimentos e devastando a natureza. A criminalização faz parte das ações do latifúndio e seus asseclas para intimidar a luta pela reforma agrária. A resposta foi a criação da Aliança Camponesa Ambientalistas, que precisa ser agregada por todos os verdadeiros democratas e apoiadores da reforma agrária e defensores do meio ambiente. Essa luta é única.
ICC - Neste contexto, como vê o Governo Lula e as políticas públicas para a população, a reforma agrária e urbana, a democracia?
Pedro - O Governo Lula ao mesmo tempo em que avançou nas relações com a sociedade civil, criando instrumentos de participação e debates, deixou a desejar em muitos aspectos. Fundamentalmente por colocar à frente de funções estratégicas, figuras que aplicam a velha prática do clientelismo. Assim mesmo temos avançado bastante. Poderíamos ter avançado mais, mas estamos no caminho da consolidação da democracia, onde as pessoas não mais precisarão de ajuda oficial para se alimentar, mas estarão livres de todas as amarras do assistencialismo e da dependência, pois as políticas públicas estarão efetivadas.
ICC - Além de escritor e ativista social, você é jornalista? Qual seu olhar sobre a imprensa em nosso País, em nosso dia a dia? A imprensa cumpre seu papel?
Pedro - Há dois lados da imprensa. A grande imprensa e a alternativa. A grande sustenta-se na mídia eletrônica e cumpre um desserviço ao povo brasileiro e aos interesses nacionais. Desinforma a população usado-se de contra-gotas para manter o controle ideológico sustentado no consumo desenfreado. Recentemente a Folha de S. Paulo chegou a tentar mudar a história, chamando a época da ditadura de ditabranda. Esses senhores acreditam que podem mudar tudo, desde que sirva aos seus interesses. A mesma concentração da terra existe nos meios de comunicação. É preciso fazer a reforma agrária das comunicações. Por que não se discutiu com a sociedade se devia ou não se renovar as concessões das emissoras de TV? Não há nenhum país no mundo onde uma emissora de TV tem quase 100% de audiência em todo o território nacional. Apenas aqui e não se debate isso. Felizmente por outro lado há a imprensa alternativa, que circula nas entidades e apresenta as verdadeiras opiniões e interesses dos trabalhadores e trabalhadoras brasileiras. São milhões de tablóides e informativos que circulam por todo o País. Há ainda outras publicações que não se enquadram na mídia dominante, as quais cumprem importante papel formador de opinião e informativo para a sociedade. Temos a internet que nos oportuniza muitas informações, são muitos sites, blogs e jornais que não se enquadram no sistema de mercado, propagando outros conceitos e valores, diferentes dos impostos pela mídia do capital.
ICC - Quando você coordenou o Orçamento Participativo em Peruíbe, houve uma grande mobilização da sociedade, em especial das associações de moradores e demais movimentos sociais. Acredita que o OP é um instrumento que fortalece a democracia direta?
Pedro - Sem dúvida essa experiência nascida na primeira gestão do PT, em Diadema, depois consolidada na gestão de Porto Alegre, comprova que é possível utilizar os recursos públicos de forma transparente e crível com os interesses reais da cidadania. Para isso é preciso que os governantes estejam dispostos a oportunizar a sociedade parte do poder. A cidadania, com o OP, passa a ter poder real, decidindo onde, como e em que aplicar os recursos públicos. Infelizmente o processo iniciado em Peruíbe não foi dado sequência, assim como ocorre um processo de desmobilização desse revolucionário projeto em todo o Brasil. Os parlamentares precisariam compreender que o OP pode lhes fortalecer, desde que eles deixem de ser os despachantes de obras e serviços da administração passando a exercer seu verdadeiro papel de fiscalizador e legislador. Se a sociedade, os governantes e os parlamentares se disporem a criar novos mecanismos sem dúvida o OP poderá fomentar instrumentos que consolidem a democracia direta. Esse modelo deve ser incentivado e aprofundado, com ele todos ganham, menos os corruptos e demagogos.
ICC - A América Latina vive um novo momento, em particular com a ascensão de governo progressistas, como Lula, Chávez, Morales, Corrêa, Vasquez, Ortega e agora Maurício Funes em El Salvador. Como avalia este cenário e o futuro da América Latina?
Pedro - A crise do capitalismo comprova o que Marx escreveu há mais de 150 anos no Manifesto Comunista que o capitalismo é seu próprio coveiro. E é isso que estamos vivendo. Mais uma crise, com os negócios indo à bancarrota e o Estado os salvando, retirando recursos da saúde e educação pública, da moradia, da seguridade social para preservar seus patrimônios bilionários. A América Latina significa que há esperança. A resistência desses governantes de esquerda que enfrentam de forma criativa e ousada os poderosos do Norte mostra que a Humanidade não se curvará à opressão do capital. Chaves e Evo zeraram o analfabetismo. Evo enfrentou os latifundiários na Bolívia e aprovou uma nova constituição, impondo um novo limite a propriedade rural naquele País. Correa realizou a auditoria da dívida. E muitas lutas ainda serão travadas. É preciso fortalecer a unidade latina, resgatar o sonho de Bolívar e de Che Guevara, construir um continente onde todos sejamos capazes de viver com dignidade e semear a esperança no planeta.
ICC - Suas considerações finais.
Pedro - Acredito que somente com a mobilização, organização e consciência política das camadas populares seremos capazes de construir efetivamente uma pátria livre e soberana. A luta pela terra, a conquista da reforma agrária, o resgate da memória dos combatentes que ficaram no caminho, entre eles a de João Carlos Batista, somente animará a luta. É preciso resgatar referenciais; a política não pode continuar como balcão de negócios, precisamos trazê-la de volta aos interesses comunitários, populares e coletivos, deve estar a serviço da vida e da justiça social, não do mercado.
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